VOCÊ TEM UM SÍTIO, uma casa com quintal ou, mesmo, um apartamento avarandado? Ah, não tem varanda? Não importa. Quer reunir amigos, amores e outras afinidades? Nada mais agradável. E dispõe de tempo e paciência para superproduções culinárias? Bem oportuno. A tarde ensolarada de sábado é propícia para uma boa comemoração. Mas, conforme me dizia, quer mais que um almoço? Uma festa mágica, inesquecível? Disse mágica? Então vá buscar o caldeirão. Faremos uma grande bruxaria.
E preciso esclarecer que este é um feitiço que não se prepara em poucas horas. Pede atenções de antevéspera. Os mais caprichados são engendrados com antecedência de semanas. Tudo nesta arte é questão de detalhes aparentemente desprezíveis mas que podem representar a diferença entre a delícia e o desastre. Um grau a mais ou a menos e timoneiro e navio vão para o beleléu.
Antes de começar, é preciso compor uma lista de convidados “idôneos”. Há quem sofra de dispepsia? Outro acolá é vítima de flatos? E aquele velho amigo tem problemas com a úlcera estomacal? Então, nada feito. Talvez um cozido geriátrico esteja mais de acordo. Esta mágica requer organismos fortes, disciplinados, sem problemas de digestão.
Convidada a turma — de preferência com semana de antecedência — é guardar a preguiça para a sobremesa e pôr mãos à obra.
Em seu livro História da Alimentação no Brasil, Luís da Câmara Cascudo afirma que “a feijoada não constitui um acepipe mas um cardápio inteiro”. A verdade se aplica também ao trabalho que exige de quem quiser preparar. E trabalhosa, mas não é difícil, complexa por ser tão simples, mas passível de sair a contento caso haja boa vontade.
Como todo prato popular, admite milhares de variações. Cada família tem uma receita diferente e cada região do país lhe empresta cores locais. No Nordeste, por exemplo, é feita com feijão-mulato, legumes, e lembra a feijoada do Benin, país da África Ocidental. No Rio, São Paulo e Minas, é preparada à base de feijão-preto e carnes salgadas de porco e a introdução de qualquer legume incorre em louca heresia. No Pará, além da feijoada convencional, há também a maniçoba, onde o feijão é substituído pelas folhas da mandioca brava, cozidas por mais de 24 horas para curar suas letalidades.