Nélson Rodrigues
“psicografado” por Alexandre Raposo
JÁ ESCREVI, NÃO ME LEMBRO onde, que nas situações de rotina, um pó-de-arroz pode ficar em casa abanando-se com a Revista do Rádio. Mas quando o Fluminense precisa de número, acontece o suave milagre: os tricolores vivos, doentes e mortos aparecem. Os vivos saem de suas casas, os doentes de suas camas e os mortos de suas tumbas.
Ora, sou tricolor, sempre fui tricolor. Diria que já era Fluminense em vidas passadas. E que continuo Fluminense, apesar de minha atual condição ectoplásmica, neste doce e tranqüilo interlúdio entre uma e outra existência. Todas tricolores, obviamente.
Desde que aposentei as chuteiras e me mudei aqui para cima, nunca mais voltei aos estádios. Depois do triunfo definitivo de 1970, o futebol brasileiro passou por um longo período de mediocridade e acabei me dando conta de que se jogava melhor deste lado de cá — com Garrincha, Heleno, Leônidas e companhia — do que entre os patéticos botineiros que os sucederam no mundo material. Ressalvas feitas a Zico, Romário e Ronaldo, os demais não passaram de um bando de peladeiros de quadra de escola, mercenários do futebol.
Não pude resistir, porém, ao apelo desta quarta-feira, 20 de abril de 2011, quando meu Fluminense enfrentou aquele que foi um dos maiores desafios de sua gloriosa história esportiva. Teríamos de ganhar do Argentinos Juniors por uma diferença de dois gols, no estádio Diego Armando Maradona, em Buenos Aires, Argentina, para nos classificarmos para as finais da Taça Libertadores da América.
Era uma missão aparentemente impossível, ainda mais considerando as quizilas internas envolvendo o indisciplinado Emerson e, evidentemente, o fato de termos de jogar em território minado, em um caldeirão diabólico cercado pelas hostes inimigas.
Certa vez eu disse que “se o Fluminense jogasse no céu, eu morreria para vê-lo jogar”. Ora, em vista das circunstâncias, e considerada a importância do certame, nada mais me restava a fazer senão seguir o caminho inverso.
À saída do S. João Batista, encontrei o Saldanha encostado no portão de ferro do cemitério. Ele tirou o cigarro da boca, olhou para mim com um ar piedoso e começou a dizer: “Vai se dar ao trabalho? Os fatos provam que...” Mas não o deixei terminar: “O melhor time é o Fluminense. E pode me dizer que os fatos provam o contrário, que eu respondo, como sempre respondi: pior para os fatos”.
Amigos, os idiotas da objetividade negam o milagre. Mas o que foi a deslumbrante vitória do Fluminense, senão isso mesmo, ou seja, um cínico e deslavado milagre?
A verdade incontestável é que ninguém ganha da forma como nós ganhamos. As vitórias dos outros são simples, quase sem graça. Já as nossas são cardíacas. As dos outros são previsíveis, esquecidas ao apito do primeiro jogo do próximo campeonato, as nossas são inesquecíveis. Vão da extrema falta de perspectiva, do máximo sofrimento, da crueldade, ao êxtase, ao épico, ao apoteótico. Tudo junto, quase sem fronteiras entre esses opostos.
O Fluminense nasceu com a vocação da eternidade. Tudo pode passar, mas o Tricolor não passará, jamais. Quem o diz é o óbvio ululante. O Fluminense é o único time tricolor do mundo. Os outros são apenas times de três cores. Muita gente poderá objetar que estou exagerando. E daí? Só os imbecis não exageram. Ai de nós se não fossem os exageros libertadores!
Fred fez jogadas de um virtuosismo, de uma beleza, inexcedíveis. Conca, de fio a pavio da batalha, brilhou como uma Sarah Bernhardt em primeira audição.
Uma coisa é certa: não se improvisa uma vitória. Vocês entendem? Uma vitória tem de ser o lento trabalho das gerações. Até que, lá um dia, acontece a grande vitória. Digo mais: já estava escrito há seis mil anos que, em certa quarta-feira de 2011, seríamos vencedores de um jogo impossível de ser vencido. O que importa é isso. O Fluminense tem o melhor time do Brasil. Assim digo eu, e assim diria Vitor Hugo se tivesse ido ao estádio. E não foi por falta de convite...
Fred fez jogadas de um virtuosismo, de uma beleza, inexcedíveis. Conca, de fio a pavio da batalha, brilhou como uma Sarah Bernhardt em primeira audição.
Uma coisa é certa: não se improvisa uma vitória. Vocês entendem? Uma vitória tem de ser o lento trabalho das gerações. Até que, lá um dia, acontece a grande vitória. Digo mais: já estava escrito há seis mil anos que, em certa quarta-feira de 2011, seríamos vencedores de um jogo impossível de ser vencido. O que importa é isso. O Fluminense tem o melhor time do Brasil. Assim digo eu, e assim diria Vitor Hugo se tivesse ido ao estádio. E não foi por falta de convite...
Amigos, ontem não houve noite na cidade. O que todos viram foi a chama do grande sol do Fluminense, com o seu patético esplendor.
3 comentários:
Adorei, meu amigo! Nessa quarta-feira eu fui literalmente da "extrema falta de perspectiva, do máximo sofrimento, da crueldade, ao êxtase, ao épico, ao apoteótico". É por tudo isso que amo ser tricolor!! Beijos, querido! Você é um gênio! :)
O escritor precisa dar o ar da graça!
Neeeennnnnnseeeeee!
Postar um comentário