Eu ESTava furioso com alguém.
Mais do que seria capaz de admitir conscientemente. Talvez por isso, certa
tarde após a feijoada, adormeci e, sem que me desse conta, vi-me caminhando em
meio a um deserto de dunas intermináveis. Era um sonho aborrecido, certamente agravado
pelas fermentações resultantes do almoço suntuoso e pelas emanações dos
espíritos então consumidos — mais por hábito de que por gozo já que, àquela
altura da vida, trafegava em um estado ambíguo de plácida inquietude no qual nada
me satisfazia, embora nada me fizesse a menor falta.
A caminhada era extremamente penosa. O
sol abrasador ia alto no céu, eu sentia fome, sede, a areia fofa e escaldante
chegava à altura dos joelhos e eu já estava firmemente disposto a puxar a alavanca
vermelha e passar para outro sonho menos enfadonho quando, ao longe, divisei,
não um oásis, não uma fonte de águas cristalinas e restauradoras, não a entrada
de uma caverna mágica repleta de tesouros, tampouco as dobras sinuosas e
flutuantes de um tapete voador capaz de me tirar daquele apuro, mas, sim, as extremidades
protuberantes de tendas coloridas que se espalhavam por uma ampla extensão do
deserto e cuja placa que encontrei à entrada anunciava como sendo uma Extraordinária
Feira de Mistérios, Maravilhas, Bizarrices e Variedades.
Ah, eu poderia ter me detido em
qualquer uma daquelas tendas: odaliscas seminuas dançando ao som de lânguidos
tambores; refinadas casas de pasto donde exalavam aromas irresistíveis e diante
das quais os donos apregoavam maravilhas culinárias montando avestruzes, tigres
e rinocerontes; tendas alegres, tomadas de música, alarido de vozes e tilintar
de taças; outras repletas de alfarrábios e objetos encantados, todos muito
antigos e raros, como ampulhetas mágicas capazes de reverter o tempo e permitir
que se reparassem os erros do passado; espelhos habilitados a projetar eventos ainda
não ocorridos e prevenir desgraças e catástrofes futuras; cornucópias de grãos,
vinho, ganja, ouro... todo um acervo de assombros.
Quis o destino, porém, que, em meio a
tanta maravilha, tantos irrecusáveis apelos, meus olhos se vissem atraídos para
uma tenda modesta erguida em uma das aléias secundária da feira.
A princípio, desagradado com o aspecto
geral da baiúca, tentei voltar os olhos em outra direção; sem resultado. Por
algum estranho sortilégio, e por mais que enveredasse por outros caminhos,
sempre acabava diante daquela tapera. Era uma atração irresistível embora nada
naquela tenda alquebrada parecesse realmente digno de nota. As estacas que a sustinham
pareciam a ponto de ceder à podridão da idade e a lona de cor indefinida estava
muito gasta e desbotada, com alguns furos junto ao topo do mastro — o que
certamente não deveria ter muita importância já que naquele deserto nunca
chovia, mas que contribuía, e muito, para o aspecto arruinado do conjunto.
Pouco abaixo do mastro, uma placa de
zinco amassada nas bordas sobre a qual algum caprichoso calígrafo grafara em
letras de espetáculo circense:
Dr.
Luis C. Araújo
OBSESSOR
Corri os olhos pelo interior da tenda, que
descobri ocupada por uma fileira de enferrujados gabinetes de arquivos, algumas
estantes esparsamente ocupadas por livros de lombadas ensebadas e alguns enfeites
de louça e vidro de extremo mau gosto. Ao fundo do aposento, através de uma névoa
de fumaça de charuto vagabundo, mal e mal divisei uma escrivaninha surrada por trás
da qual refestelava-se o sujeito.
Ao dar com a figura gorducha, suarenta
e mal barbeada, apertada dentro de um mal ajambrado terno de Tergal puído nos cotovelos,
tive vontade de dar meia volta e retornar ao alegre burburinho da feira. Antes,
porém, o sujeito abriu um sorriso de dentes amarelados de nicotina e exclamou:
— Seja muito bem-vindo! Em que posso
ser útil?
Desconsertado, dei a desculpa padrão:
— Nada, obrigado. Só estou olhando.
Mas o sujeito conhecia bem o riscado e
emendou:
— Poderia ajudá-lo a escolher algum de
nossos serviços?
O tom arrogante e malicioso de alguém
que estava a ponto de me fazer uma oferta evidentemente desvantajosa me cativou
de algum modo. Sempre admirei os canalhas declarados.
— Bem, em realidade, não faço idéia do
que tenha a oferecer.
Ele sorriu como se já tivesse ouvido
aquela resposta um milhão de vezes.
— Ah, certamente deve sabe. De outro
modo, não teria entrado aqui. — O sujeito afastou a cadeira, cruzou os pés
sobre o tampo da escrivaninha e entrelaçou os dedos das mãos atrás da cabeça. —
Mas já que insiste, deixe-me fazer uma pequena apresentação. A LCA Obsessores
Ltda. é uma empresa especializada em obsessões. Nossos técnicos são
especialistas treinados para levar a cabo missões de diferentes naturezas
obsessivas, em todas as esferas cósmicas e planos dimensionais do universo
conhecido. — Ele fez uma pausa e, após uma careta de desagrado, retificou: — Ao
menos naquelas aonde as obsessões funcionam, que, afinal, são a grande maioria.
— Mas o que, exatamente, faz um
obsessor? — perguntei, disposto a por fim à lengalenga introdutória e ir direto
ao assunto.
Ele sorriu, satisfeito, como se
estivesse ansioso para que eu fizesse a pergunta.
— Um obsessor é o mais eficiente
instrumento de vingança que alguém pode utilizar contra um inimigo. Atire uma
bomba atômica na cabeça do infeliz e estará lhe fazendo um favor. Agora, solte um
obsessor bem treinado no seu rastro e o cretino rezará para não ter nascido.
Durante várias reencarnações! — Ele recolheu os pés do tampo da escrivaninha e acendeu
uma guimba de charuto que escolheu no cinzeiro lotado.
— Veja — prosseguiu em um tom de voz muito
didático, quase paternal —, vingança não é coisa para amadores. Um sujeito lhe
faz uma grande cachorrada. Por exemplo: destrói a sua aldeia, mata a sua
mulher, extermina a sua família, seqüestra os seus filhos, rouba o seu amor,
seu emprego, sua dignidade, envenena o seu cão, o que seja. E o que você faz?
Se lança contra ele. Com fúria. Com gana. Com medo. E, infelizmente, com a desastrada
incompetência de qualquer homem de bem que se meta a fazer coisas de bandido. Poderá
até mesmo matá-lo. Mas e daí? O que ganharia com isso? Coisa nenhuma.
Certamente o resto da vida em uma cela de cadeia enquanto o canalha lá em cima planeja
a volta para outra existência de facínora. Talvez ainda chegue a tempo de
estuprar a sua neta!
Subitamente,
lembrei-me de meu recente desafeto. E comecei a me interessar pela história.
— Com um obsessor, entretanto, você
contará com os serviços de altíssimo nível de um especialista intensivamente treinado
para transformar vidas alheias em um inferno. Metódica e cientificamente. Sem
paixões, sem arrebatamentos. Apenas a mais pura e total eficiência. E a certeza
de um trabalho bem feito.
Ele tirou uma baforada do charuto e
sorriu.
— Se alguém procura um obsessor
profissional, certamente deve ter motivos de sobra para desejar o pior para o inimigo.
— Ele olhou para mim com olhos pequenos e maliciosos e voltou a sorrir. Involuntariamente,
desviei o olhar. — E nós da LCA Obsessores Ltda., estamos plenamente preparados
para satisfazer as necessidades de nossos clientes. Temos planos de obsessão cobrindo
dezenas de existências garantidamente miseráveis. Temos também o Plano Master
Plus, um tanto mais caro, mas que, por outro lado, garante a obsessão eterna e
indefinida de um mesmo espírito através dos milênios, sem franquia ou limite
máximo de reencarnações; isso, é claro, se no meio tempo o infeliz não conseguir
evoluir para um plano superior aonde não tenhamos jurisdição, o que é pouco
provável. Ninguém que seja atormentado por um de nossos especialistas tem cabeça
para pensar em auto-superação ou elevação espiritual.
A idéia era interessante.
— Mas, diga-me — perguntei —, como
exatamente age um obsessor? Quais sofrimentos impõe às suas vítimas?
— Ah, de todo o tipo! — O rosto do
sujeito se iluminou como se eu inadvertidamente tivesse acionado o interruptor
de um letreiro de neon. — Basicamente, dedicam-se a atormentar os vivos e impedir
o seu desenvolvimento espiritual. Agora, o modo como fazem isso varia de caso a
caso. E de especialista para especialista. Você jamais verá uma situação
semelhante. Cada obsedado e cada obsessor são indivíduos únicos, e as
possibilidades de interação entre eles são praticamente infinitas. Há infinitas
maneiras de se destruir a vida de alguém. Basta analisar, esperar. E agir na
hora certa. Carinhosamente, costumo chamar os meninos de “meus pequenos
artistas”. Cada um deles tem o seu estilo próprio e inconfundível. E alguns são
absolutamente geniais. Muito melhores do que jamais fui em meus tempos no front
de batalha. É difícil crer que tenham sido treinados por mim...
— Então você não se encarrega
pessoalmente dos casos?
— Ah, não. Não mais, pelo menos. Já
tive os meus dias de glória. Hoje, deixo isso para os garotos. A função de
obsessor é extremamente desgastante. Pede espíritos mais jovens e mais bem
dispostos. Cuido dos contratos, da manutenção do negócio, da contratação e
treinamento de principiantes. Também dou uma mão na logística, na elaboração
dos planos de obsessão, participo do planejamento de novos tormentos...
— Tormentos? De que tipo?
Ele acendeu outra guimba de charuto
naquela que ainda mantinha acessa entre os dedos, expeliu duas fedegosas
baforadas e respondeu:
— Trabalhamos com detalhes. Sutilezas.
De nosso plano espiritual, não temos muito poder sobre a matéria ou fenômenos
físicos. Mas os poucos milionésimos de joules de energia que ainda podemos manipular
podem operar maravilhas.
— Como assim?
— É uma técnica muito sofisticada que
teria prazer de explicar amiúde em outra oportunidade. Por ora, basta dizer
que, com um pouco de treinamento, podemos utilizar essas minúsculas partículas de
energia para inverter micro-campos magnéticos, interferir em processos
elétricos do cérebro humano, corromper sinapses... Recentemente, com o advento da
informática, descobrimos que também podíamos fazer o mesmo com os computadores
de nossos obsedados. Você não faz idéia do campo que isso abriu para a prática
da obsessão moderna...
— Faço idéia — respondi, subitamente
tomado por um profundo desprezo pelo sujeito asqueroso.
— Imagine, por exemplo, uma pessoa
extremante talentosa, que decida dedicar a vida a um tipo de tarefa que exija
muito controle e concentração. Digamos, operador de guindaste, piloto de
helicóptero, controlador de tráfego, neurocirurgião... Agora, imagine um obsessor
habilidoso, capaz de estimular e amplificar certos fatores dispersivos no
cérebro dessa pessoa. Às vezes, um simples ajuste no volume da audição, uma
pequena calibrada no brilho e no contraste da visão, certa supersensibilidade
para gostos e aromas, e o sujeito fica incapacitado de se concentrar em
qualquer coisa mais complexa que um jogo da velha!
Senti-me levemente nauseado, um
incômodo lampejo de reconhecimento lentamente despertando nas camadas mais
profundas de minha consciência.
— Agora, se o obsedado tiver alguma
pronunciada falha de caráter, tudo fica mais fácil — prosseguiu. — Alcoólicos,
narcômanos e tabagistas são presas fáceis. Mas gente irascível e de pavio curto
também é um prato feito. Bastam pequenos estímulos nos lugares certos do
cérebro e... bum! Explodem como frascos de nitroglicerina. Basta esperar o
momento certo para precipitar as explosões, e a vida do sujeito ficará para
sempre comprometida.
Ele acendeu outro toco de charuto.
Desajeitado, deixou cair algumas brasas sobre o colo. Levantando-se de supetão,
afastou-as com as mãos espalmadas, mas não a tempo de evitar que um cheiro
nauseabundo de Tergal carbonizado tomasse conta do ambiente.
— Como disse — concluiu ele, uma careta
de contrariedade ao dar com o estrago na calça do terno —, as possibilidades
são infinitas. Por isso, antes de darmos início a um plano de obsessão, fazemos
um estudo completo e detalhado das vidas passadas do obsedado, atentando para
detalhes, procurando brechas, pontos fracos, atalhos. E, uma vez estabelecidos
os objetivos, nossos especialistas não descansam até cumprirem a missão que
lhes foi designada.
Novamente fui assediado por um
inexplicável surto de náusea. Algo naquele sujeito, naquela cena, parecia-me
desagradavelmente familiar. Como a lembrança de uma antiga dor de dentes, de um
esquecido furúnculo inflamado na nádega.
— Do modo como fala, dá a entender que
seus especialista são infalíveis — disse eu, tentando reprimir o mal estar. —
Vocês nunca cometem erros? Nenhum de seus obsedados consegue escapar à influência
de sua obsessão?
Ele não gostou da pergunta. E demorou
algum tempo antes de responder, evidentemente aborrecido:
— Não, não somos infalíveis. Sempre há
um ou outro desgraçado a nos estragar a folha de serviços. Mas devo adiantar
que são poucos. Estatisticamente, somos bem sucedidos em oitenta e sete por
cento dos casos. É claro, existem obsedados resistentes, duros na queda. Mas,
sempre que nos vemos às voltas com um obsedado mais rebelde, lançamos mão de um
engenhoso artifício: o obsessor encarnado.
— Como assim?
Ele sorriu.
— Nossos especialistas preferem, é
claro, trabalhar no plano espiritual. Para isso foram treinados. Mas existem
umas poucas dezenas de obsessores especializados em atuar no plano material. Ganham
bem mais do que os seus colegas do lado de cá, dada a natureza insalubre do
meio onde atuam. Nascer e viver, você sabe, dói uma barbaridade.
Foi a minha vez de esboçar um sorriso
desanimado.
— É uma última alternativa. Se, por um
lado, o obsessor encarnado ganha maior poder para lidar com a matéria, por
outro perde a onisciência e a clareza de sentidos que nos é natural no mundo
dos espíritos. Por isso, suas missões devem ser muito simples e objetivas. Em
realidade, são sondas robotizadas, se me permite a metáfora, programadas para
realizar tarefas específicas.
— Como o que, por exemplo?
— Aqui, também, as possibilidades são
quase infinitas. Imagine, por exemplo, um obsessor encarnado como mãe, mulher
ou “melhor amigo” de um obsedado, especialmente programado para transformar a
vida daquela criatura em um inferno? Para isso, é claro, é preciso um
especialista muito habilidoso, o que é muito difícil de encontrar atualmente.
Mas não precisamos ir tão longe. Basta programar o obsessor para que, em certo
dia e hora pré-determinado, avance um sinal vermelho, se atrapalhe com um
bisturi, aperte o botão errado... e estragamos a evolução de uma criatura por
toda aquela existência. É claro que o objetivo primário não é o homicídio, embora,
em certos casos, matar seja o único meio de interromper a evolução de um
espírito mais obstinado...
A náusea atingiu outro pico intolerável
e então, subitamente, dei-me conta. Eu conhecia aquele sujeito. Não
pessoalmente, é claro. Mas eu o conhecia muito bem. E de longa data. Já tive os meus dias de glória, dissera
ele havia pouco. Hoje, deixo isso para os
garotos. A função de obsessor é extremamente desgastante. Subitamente, a
náusea desapareceu, tão misteriosamente quanto se instalara. E eu tive absoluta
certeza do que fazer em seguida.
— E qual seria o preço de um plano
completo, Master Plus, desses que garanta a obsessão de um espírito pelo século
dos séculos? — perguntei, interessado.
Ele quase suspirou, aliviado, por
termos voltado a falar de negócios.
— Comparado com o que oferecemos? Uma verdadeira
ninharia. Pedimos apenas que nossos clientes compartilhem conosco parte da
culpa. Não é preciso ser muito esperto para compreender a vantajosa relação
entre custo e benefício de uma transação dessa natureza. Afinal, quanto mais
canalha for o seu desafeto, menos culpa você terá no cartório. Sei de um caso
em que o cliente não apenas foi absolvido como acabou premiado pelas altas
instâncias espirituais pelos serviços prestados!
Eu sabia que era mentira, bazófia de
vendedor tentando engambelar um comprador ingênuo. Mas fingi acreditar em cada
palavra do que ouvia.
— Não se esqueça, também, que oferecemos
uma garantia estendida de nossos serviços, em troca de um pequeno acréscimo nas
tarifas.
— Como assim?
— Se, por um acaso, não sejamos capazes
de cumprir uma missão, caso haja algum conflito de interesses envolvido, o caso
é imediatamente transferido para outra empresa. Como deve imaginar, não somos a
única firma de obsessão do mercado.
Gostei dessa última parte.
— E como fazemos para selar o pacto?
Ele pareceu surpreso com a rapidez com
que aceitei o negócio. Sorridente, apontou para o outro extremo do cômodo, onde
havia uma pequena cabina.
— Basta entrar ali, pegar uma cédula,
preencher o nome de seu desafeto e depositá-lo na urna.
— Simples assim?
— Claro. Por que complicar?
— E posso escolher qualquer pessoa?
Ele assentiu.
— Desde que seja um espírito que vague
nas baixas esferas... Como já expliquei, não temos jurisdição em planos
espirituais mais evoluídos.
Ele percebeu a minha expressão de
contrariedade.
— Algo o perturba?
— Sim — respondi, simulando insegurança.
— É que não tenho certeza se a pessoa que desejo obsedar ainda se encontra em
uma baixa esfera espiritual. Em verdade, nem sei se está encarnada!
Ele voltou a sorrir.
— Mas isso não tem a menor importância!
Veja: caso a pessoa escolhida tenha conseguido elevação espiritual, paciência.
Seu voto cairá no vazio, e o acordo será desfeito. Entretanto, se ela ainda vagar
aqui por essas baixas esferas, o que é o mais provável, esteja encarnada ou
não, ah, meu amigo, nós certamente a pegamos mais cedo ou mais tarde. Como deve
saber, todo espírito precisa fazer visitas periódicas ao mundo material para
exercitar o perispírito e desenferrujar os ossos. E a escolha da urna é
implacável. Não há espírito inferior que esteja imune aos seus desígnios.
Ele se levantou da cadeira e apontou
para a cabina.
— Então, o que está esperando?
Ao sair da tenda lúgubre, sentia-me
leve, limpo, restaurado, livre de uma angústia corrosiva que havia muito me
azedava a alma. Fizera o que era certo. O que era justo. E a areia do deserto
já não mais me obstava o passo.
Aliviado, aproximei-me de um grupo de unicórnios
amestrados que se apresentava para uma pequena platéia. Ali me detive por um
longo tempo, observando as suas mágicas evoluções sobre o picadeiro,
divertindo-me com os comentários maravilhados da criançada em torno até que em
dado momento, acima do alarido da feira, ouviu-se um berro medonho que fez
estremecer as estacas de todas as tendas e calou temporariamente a platéia
atônita.
Fui o único a não ser pego de surpresa.
Em verdade, eu já esperava por aquilo. Ansiosamente. E foi justo por isso que
ali me detive, ansioso, à espreita. Ainda assim, e para o espanto de todos ao
meu redor, não fui capaz de reprimir uma escandalosa gargalhada ao imaginar a
cara que deve ter feito o sujeito ao abrir a urna e ver o nome que eu grafara
na cédula:
Dr.
Luis C. Araújo
OBSESSOR
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