Nos dez dias que antecederam a partida, os jogadores da floresta foram submetidos a um regime de exercícios moderados, ensaios estratégicos e alimentação rica em proteínas e carboidratos. Também receberam aconselhamento dos sacerdotes que integravam a comitiva, para estarem preparados para enfrentar com bravura a pedra do sacrifício ao fim do jogo.
Polícrates foi convidado a comparecer aos encontros religiosos uma vez que, logo após revelar aos lídimos o segredo de seu planetário portátil, também seguiria o mesmo destino dos jogadores. Mas recusou o convite alegando que, ainda que perdessem a partida, o que achava pouco provável, ele teria de prestar contas aos seus deuses estrangeiros, de acordo com crenças e rituais que os sacerdotes desconheciam e a respeito das quais não poderiam lhe dar qualquer tipo de orientação ou conforto.
Na véspera da partida, Polícrates e Jaguar Macambúzio convocaram os jogadores para uma reunião a portas fechadas no grande salão da vila esportiva.
— Aqui termina nosso treinamento — disse o ex-apóstolo assim que os jogadores se acomodaram em suas esteiras. — Agora, só lhes cabe entrar em campo, jogar o seu melhor pocolpoc e ganhar o jogo de suas vidas. De nossas vidas. Da vida de todos os povos da floresta. Apesar de vocês já terem sido instruídos pelos sacerdotes a como se comportarem diante do altar de sacrifícios, apesar de todos, inclusive vocês mesmos, estarem absolutamente certos de nossa inevitável derrota, a verdade é que, tecnicamente, somos muito superiores aos nossos adversários. E podemos vencer o confronto de amanhã.
Os jogadores se remexeram sobre suas esteiras, evidentemente incrédulos.
— Muitos de vocês me consideram um otimista incurável e alguns certamente devem me achar um louco varrido. E talvez tenham razão. Talvez eu esteja redondamente enganado. Talvez percamos nove de cada dez partidas que disputemos contra eles. Mas o fato é que não perderemos essa partida em particular. Esse será o único jogo em dez que ganharemos desses tiranos arrogantes e pretensiosos.
Polícrates olhou para a pequena plateia. A descrença havia cedido lugar à apreensão.
— Imagino o que devam estar pensando. E se algo der errado? E se, por algum acaso, jogarmos o pior jogo de nossas vidas? E se perdermos? De fato, somos os azarões. Todos preveem a nossa derrota. Vocês mesmos não se creem capazes de vencer o jogo de amanhã. Mas eu lhes peço apenas isso: concentrem-se.
O ex-apóstolo fez uma pausa para a ideia se acomodar na mente dos jogadores mas disse logo a seguir:
— Vocês têm controle sobre sua força física, sua arrancada, seu equilíbrio e velocidade. Vocês têm controle sobre sua atitude, seu espírito, sua paixão e genialidade. Concentrem-se nisso e esqueçam todos os outros aspectos sobre as quais não exercem controle. Não se importem com os juízes, por mais que estejam roubando. Não prestem atenção nas torcidas, por mais hostis que lhes pareçam. Não liguem para as provocações dos adversários. Se fizerem isso, seus esforços individuais serão prejudicados. Mantenham os seus corações e mentes concentrados apenas naqueles aspectos que podem controlar. Se cuidarem de sua perfeição individual, a vitória virá natural e espontaneamente. Venceremos porque cada um cuidou de sua parte.
Houve um breve silêncio durante o qual os jogadores pareceram refletir sobre o que acabavam de ouvir.
— Senhores, amigos, compatriotas — exclamou Jaguar Macambúzio, tomando a palavra. — É chegado o momento de nos confrontarmos com o nosso destino. Amanhã, a esta mesma hora, não importando o que aconteça, independentemente do resultado do jogo, já não mais seremos as mesmas pessoas que somos agora. Nossas vidas, assim como as de todos aqueles que nos cercam, sofrerão uma mudança radical e irreversível. Mas é importante que compreendam que, ao entrarmos naquela arena, estaremos defendendo algo muito mais precioso e permanente do que nossas vidas efêmeras. Amanhã, estaremos lutando pelo direito de finalmente podermos ser vistos e respeitados como seres humanos de verdade. Pela oportunidade de garantirmos um futuro próspero e digno para os nossos filhos, e para os filhos de nossos filhos, até o fim dos tempos.
Ele fez uma pausa, engoliu um soluço emocionado.
— Amanhã, senhores, estaremos lutando pela sobrevivência, pelo bem estar e pela grandeza de nossa própria civilização!
Trecho do romance São Tomé na América, Garamond, 2012.
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