Uma boa notícia para aquela rapaziada que já passou da meia idade e continua sofrendo episódios da Síndrome de Zé Rodrix: morar no campo realmente é tudo aquilo que as pessoas na cidade idealizam. É saudável. É tranqüilo. É idílico. Vivemos cercados de ar puro, silêncio e paisagens deslumbrantes. E desfrutamos de um espaço, de uma privacidade e de uma liberdade que seriam luxos impossíveis em um ambiente urbano mesmo se fôssemos multimilionários. Sem dúvida, não há melhor lugar para se compor muitos rocks rurais e plantar amigos, livros e discos. E nada mais.
O problema é tudo aquilo que as pessoas que sonham com uma casa no campo não idealizam, não desejam, sequer imaginam que exista, embora seja o preço a pagar em troca de tanta beatitude.
Depois de dois anos morando literalmente onde o vento faz a curva, conheci a fundo esse lado oculto da vida na roça e aprendi qual é o preço dessa overdose de verde e clorofila que atualmente me cerca por todos os lados. Nesta série de posts, tentarei descrever para meus caros amigos da cidade como é a vida no campo. E porque apenas os fortes sobrevivem a ela.
De todos os inconvenientes, o pior é aquele que chamo de Buraco Negro das Telecomunicações. No lugar onde moro não há cabos telefônicos. Havia, sim, mas foram roubados tantas vezes pelos gentis camponeses meus vizinhos — essa gente tão pura e inocente que não vê maldade nas coisas e para quem roubar não passa de uma singela, embora arraigada, prática de interação social — que as empresas de telefonia decidiram deixar de substituí-los.
De todos os inconvenientes, o pior é aquele que chamo de Buraco Negro das Telecomunicações. No lugar onde moro não há cabos telefônicos. Havia, sim, mas foram roubados tantas vezes pelos gentis camponeses meus vizinhos — essa gente tão pura e inocente que não vê maldade nas coisas e para quem roubar não passa de uma singela, embora arraigada, prática de interação social — que as empresas de telefonia decidiram deixar de substituí-los.
Assim, somos obrigados a nos virar com celulares, o que até que não seria de todo mau caso a área onde habito tivesse algum tipo de cobertura de Internet rápida. Não tem, e vocês não fazem idéia do rolo que é manter um blog através de uma conexão discada via celular. É complicado, lento, enfadonho, mas não seria impossível caso o serviço fosse confiável. Não é.
Apesar de pagar o mesmo que pagaria por uma conexão 3G na cidade grande, a velocidade de transferência que tenho aqui chega, no máximo, a 9kbps e, uma vez por semana, religiosamente, deixa de funcionar sem prévio aviso. No início eu ainda perdia tempo ligando para a Vivo — que, a julgar pelo serviço, devia mudar o nome para Morto embora às vezes eu ache que o termo “vivo”, no caso, se refira mais a “esperteza”, “malandragem” do que a qualquer outra coisa. Com o tempo, porém, percebi que de nada adiantava ligar para aquela gente. Às vezes eu passava o dia inteiro pendurado ao telefone, sendo transferido de um atendente para outro sem que ninguém, entretanto, fosse capaz de resolver coisa alguma.
Em verdade, eu podia me considerar um sujeito de sorte quando o atendente simplesmente ouvia qual era o meu problema: “Alô, estou com um problema em minha Internet e...” e o cara do outro lado, que aparentemente nem sabia o que era Internet, desconversava: “O senhor poderia me confirmar o número de seu CPF?” E, antes da linha cair e eu ter de começar tudo de novo, ele ainda tinha a cara de pau de dizer: “Você receberá um SMS com o protocolo desse atendimento...” Etc, etc, etc.
Depois de alguns meses dessa palhaçada, acabei desistindo e optando pela estratégia da galinha preta: mata-se uma galinha preta, providencia-se um alguidar de farofa de dendê, três charutos, três velas pretas e três vermelhas, coloca-se tudo diante do monitor do computador e faz-se uma evocação ao Exu Caveira que, como dizem, é o padroeiro das telecomunicações no Brasil. Às vezes funciona, embora eu não tenha certeza se é por causa da macumba ou se a linha acabava voltando por conta própria, tão misteriosamente quanto havia desaparecido um ou dois dias antes. Pelo sim, pelo não, eparrei!
É claro, restaria a opção da Internet via satélite não fosse o preço exorbitante cobrado pelos provedores, que parecem dispostos a repassar todo o custo do lançamento do satélite — talvez até de todo o projeto espacial, desde os tempos do Sputnik — para seus desafortunados clientes. E embora qualquer aldeia indígena da Amazônia já conte com tal serviço e tenha sido devidamente incluída no mundo digital, falta-me aqui no Sertãozinho de Miguel Pereira um Terena que reivindique e uma ONG que me financie a extravagância.
Outro dia, alguém me falou de uma tal Internet rápida, via ondas de rádio. Achei a coisa um tanto espetaculosa e cheguei a me lembrar das sessões espíritas que freqüentava no terreiro de Vó Candinha do Estácio mas, que diabos! se funcionasse seria uma mão na roda. Vã ilusão. O técnico chegou aqui no meu jardim, deu uma olhada em volta e mandou, a seco: “Não rola.” Mas por quê, perguntei, desiludido. E ele: “Para receber o nosso serviço de Internet por rádio o cliente precisa ser capaz de ver a antena de sua casa.” Quase perguntei se a coisa funcionava na base de um barbante e duas latas mas tive medo que o cara não captasse a ironia. Ou, pior, que a confirmasse.
Alguém certa vez me disse que, muito em breve, vamos ter acesso à Internet rápida através de qualquer tomada elétrica. Chegou, ligou, conectou. Simples assim. Mas creio que deva ser outro desses hoax idiotas que circulam por aí. Acho mais verossímil implantarem um chopeduto da fábrica da Brahma direto para uma torneirinha em sua casa, com consumo verificado por hidrômetro (ou seria chopômetro?) e cobrado em uma conta no fim do mês.
E, assim, cá estou, como um profeta, à espera de um sinal. O relógio marca 14:03 de domingo, 9 de janeiro. Vejamos qual será a data e o horário da postagem. Já coloquei a galinha, a farofa, os charutos, as velas e cheguei a acrescentar um efó porreta ao despacho tradicional. Com sorte, daqui a algumas horas a coisa se normaliza e finalmente poderei postar este queixume, o primeiro de uma série que, a depender de meu provedor, da galinha e do efó, continuará revelando aspectos inusitados da vida na roça, suas peculiaridades, inconvenientes e maravilhas. Creio ser assunto relevante para aqueles meus leitores urbanóides que ainda alimentam o sonho de, um dia, terem uma casa no campo ou que, por alguma tara ou mania, desejam passar o resto de suas existências às voltas com atendentes de telemarketing retardados e despachos de macumba apodrecendo diante do monitor. Aguardem!
2 comentários:
Seu problema com a Internet nada tem a ver com a vida no campo... bastaria ter uma linha telefônica confiável para reestabelecer sua conexão com o mundo.. da próxima vez, compre terras ao lado da aldeia do Terena e roube o sinal dele... ;-)
o brasileiro é antes de tudo um forte!
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