O texto a seguir foi uma sátira que escrevi para compartilhar com meus colegas da falecida revista Manchete, onde trabalhei como redator em diversas ocasiões entre 1983 e 1990. Deve ter algum valor documental, já que fala de um tempo em que os jornalistas ainda trabalhavam com máquinas de escrever, os layouts eram de papel — tiras de texto coladas com cola de sapateiro — e as fotos das matérias vinham em forma de diapositivos, dentro de saquinhos de papel manteiga, que tínhamos de olhar com conta-fios sobre as mesas de luz.
DIZER QUE O CLIMA ERA INSALUBRE dá vaga idéia do lugar. Se bem que, ao menos quanto ao panorama, era magnífico: vista espetacular da entrada da barra, a Guanabara toda ali, em seus dias e humores. Já os inconvenientes, eram inúmeros. O cheiro de formol, por exemplo. Também a sensação de se estar tentando mover um dinossauro mecânico emperrado — e emperrando junto com ele. Pássaros dôdos empalhados também compunham o quadro pré-histórico. De resto, era trabalho pra caralho à beça. Até aí tudo bem. Sacrifícios de início de carreira. Afinal de contas, apesar do salário irrisório, aquela revista ao menos ainda tinha nome. Mamãe costumava encher a boca e dizer: “Meu filho é redator do Rio-Match!” Eu ficava mesmo era feliz em poder dar uma alegria à velha.
O que me danou foram os macacos. Excesso de macacos.
O primeiro saltou logo no primeiro mês. Veio e ficou por um bom tempo. Não me recodo de quantas extensas matérias redigi sobre o babuíno que doou o coração a uma menina recém-nascida, coisa terrível de filme de terror.
Outros símios surgiram no caminho deste escriba. Os da nova versão de Tarzan — e que chamamos de suínos por erro de revisão — o que morreu na festa do 60º aniversário, o macaco piloto de provas de skate, o macaco que falava com as mãos e era amigo de uma menina surda-muda, macacos albinos, macacos cobaias, macacos me mordam e outros mais.
É claro que não agüentei muito tempo. Ao fim de sete meses, a pretexto de que estava horrorizado com o posicionamento político da revista — mentira, eu estava me lixando para aquilo! — pedi demissão: “Onde é a saída do inferno?” Não me deram. Em vez disso, me mandaram de volta para a revista erótica de onde eu nunca deveria ter saído. Também achei melhor. E a vista era a mesma.
Mas me pediram um tempo: “Olha, estamos no aperto, revista fechando... fica mais um dia.” Cara legal, o chefe. Topei.
Dia seguinte, último entre a macacada, cheguei exultante. Me dessem um romance e resumia em quinze linhas, fácil. E o chefe de redação: “Olha, tem uma matéria mole aqui para você. É sobre a Chita do Tarzan.” Quase tive um troço, mas me contive. Aquele sujeito estava pisando no rabo da morte: “...que está fazendo 50 anos.” Me segurei, mandei um “tá legal” entredentes, raspei o layout de cima da mesa e já estava começando quando ele gritou lá de longe: “Ah, sim tem mais um negocinho. A Chita não é a Chita... quero dizer, a Chita do Weissmuller é um macaco macho!” Aí eu explodi. Joguei tudo longe e avancei para ele, dedo em riste: “Chega! não faço porra de matéria de macaco nenhum! Você faz isso de propósito! Me arruma logo uma notícia dessa para estragar o meu último dia. Eu vou embora para minha revista que eu gosto mesmo é de sacanagem, morou?”
Eu agüentei quase tudo. Mas sentia que se aceitasse aquela de macaco travesti, nunca mais sairia dali. Foi por isso que eu me mandei.
Nenhum comentário:
Postar um comentário