Equipe da revista ELE ELA, 1985 |
Há muitos e muitos
anos, em uma galáxia muito longe daqui, em uma época em que ainda não havia celular,
Internet, sites pornográficos e encontros virtuais, um tempo de trevas e
ignorância, sem BBB, sem Facebook, sem Twitter, sem nem mesmo um modesto ICQ,
havia uma seção em uma extinta revista erótica sediada no Rio de Janeiro que
mobilizava as atenções, corações, mentes e fantasias sexuais de legiões
brasileiros, o Fórum. Visto com olhos contemporâneos, tratava-se de uma
bobagem: a mera transcrição de cartas enviadas pelos leitores — datilografadas ou escritas a mão! — narrando suas aventuras e fantasias sexuais. Naquele
tempo porém, com o país recém-saído de duas longas décadas de ditadura, censura e feroz
repressão às liberdades individuais, a seção tinha um enorme apelo.
Quando ainda em meu segundo ano de faculdade, mas já como redator
contratado da revista, fui encarregado de administrar a seção, cargo que exerci
por mais de um ano, até chegar outro calouro desavisado para ocupar o meu lugar. O texto
abaixo reúne algumas lembranças desses tempos gloriosos em que o sexo era sem
culpa, ninguém transava com camisinha, e a DST mais braba era curada com uma simples
injeção de Benzetacil.
Em certa sexta-feira após o
expediente, a pretexto
de comemorar o aniversário de um colega, a redação se reuniu em um
famoso bar da Glória para tomar o inevitável suco de laranja das 20h. É claro
que o papo não podia girar a respeito de outra coisa a não ser a revista e, por
extensão, mulher. Lá pelas tantas, já empolgados por uns três ou quatro refrescos,
ouvimos uma voz feminina vinda do fundo do bar: “Aí, marmanjos! Vocês é que são os tais da
grutinha?” Silêncio sepulcral. Todos os olhares convergiram na direção de onde
vinha a voz e encontraram não uma, mas um grupo de quatro mulheres muito bem apanhadas, numa
congregação que mais lembrava um comitê popular do movimento feminista. E, a julgar pelos olhares que nos lançavam, evidentemente eram membros da ala radical.
Meio sem graça, alguém respondeu
com a voz trêmula:
“E, mais ou menos, né...”
A pergunta veio direta, na bucha:
“Vem cá, esse Forum de vocês é verdade
ou mentira?”
Não pudemos deixar de rir. Sempre
a mesma pergunta! E claro que daí para frente as mesas se juntaram, as dúvidas
foram esclarecidas e pelo menos dois redatores da revista tiveram pretextos de
sobra para escrever um Forum na manhã seguinte. Mas não o fizeram. Não era
preciso. Nunca foi preciso.
Outro dia, conduzido pelo RP da
empresa, um grupo de publicitários de diversas agências visitou a redação. Bastante inibido, um deles se adiantou ao grupo e explicou:
“Nós viemos aqui para...”
Não foi preciso terminar. Macaco
velho, o chefe de redação emendou:
“Para saber se o Forum é verdade
ou mentira, né?” E, sem esperar a resposta, pousou sobre a mesa um caixote de madeira contendo aproximadamente 900 cartas de experiências íntimas
dos leitores. “São as do mês...”, completou falsamente modesto.
E claro que, apesar dos
insistentes apelos, não deixamos que vasculhassem a caixa. Afinal, entre
outras virtudes, sempre nos gabamos do sigilo escrupuloso que oferecíamos aos
nossos leitores. Mas até hoje fico a imaginar as loucuras que aquela junta
publicitária não faria caso colocasse as mãos no material. Pois não havia gente
que chamava o Forum de “termômetro informal da sexualidade brasileira”?
De uma vez por todas e daqui para
a frente: o Forum era verdadeiro e todas as cartas publicadas eram escritas por leitores
ávidos por verem publicada a sua peça erótica em nossas páginas amarelas. As centenas de
cartas que chegavam por mês eram lidas por uma equipe de redatores e selecionadas
a partir de critérios como qualidade do texto, erotismo e originalidade.
Uma vez escolhidas as titulares, as cartas iam para o estaleiro onde —
respeitando-se ao máximo o texto original — eram corrigidos erros
de ortografia eventuais e substituídos os termos chulos por correspondentes
publicáveis. Mas, igualmente de uma vez por todas, não fomos nós que inventamos esse
papo de “grutinha do amor”.
Foi em novembro de 1973, na
edição n. 55, que pela primeira vez se viu uma seção com o nome Forum.
Entretanto, naqueles tempos bicudos, o Forum era completamente diferente da pícara seção que se tonou posteriormente e se apresentava assim: “Esta é a sua opinião. Escreva
para a redação”. Ou seja, cumpria a função de uma seção de cartas e crítica dos leitores. Mas mudou devagarzinho.
Em meados da década de 70, o Forum
já publicava cartas (ousadíssimas para a época) com ofertas de trocas de casais, e, por
volta de março de 1977, abordava temas como sexo grupal, insatisfação, frigidez e esterilidade, fazendo as vezes de consultório sexual. Mas foi
apenas na edição n. 98, de junho de 1977, que o Forum publicou pela primeira vez
alguma coisa parecida com uma experiência (ou fantasia) de um leitor. A
carta se chamava Um Sabor Muito Feminino Para o Seu Chiclete e dizia: “...Admito
francamente minha preferência pelo chamado sexo oral — mais precisamente, o delicioso
cunnilingus. Só tenho outro xodó na vida: mascar chiclete. E a novidade, que
certamente interessará aos leitores, é que consegui conciliar minhas
duas paixões. Toda manhã, antes de sair para o trabalho, coloco um tablete
desse chiclete tipo americano dentro das chamadas partes íntimas da minha
mulher, enquanto ela faz a sua ginástica matinal. Quando ela termina, retiro o
chiclete, refaço a embalagem e vou para o escritório. Passo umas três horas
feito louco, antecipando aquele gostinho divino na minha boca, mas agüento
firme até quase a hora do almoço, quando tiro do bolso o meu chiclete (que eu apelidei de
chiclêta) e começo a mascar... Ah! Vocês não imaginam!”
Gradativamente, entremeadas por cartas
curiosas (mas ainda do tipo “doutor, o que eu faço com o meu pinto?’’), as
experiências dos leitores foram ganhando espaço na seção. No número 107
apareceu, enfim, o primeiro relato (com começo, meio e fim) de uma relação
sexual, intitulado Amor em Mar de Espanha, onde a leitora inaugurou um dos maiores
chavões da seção, o termo cavalgar:
“... sentindo-o intensamente vivo sob mim, cavalguei-o, a princípio em trote
lento, passando em seguida à marcha rápida, para chegar, com imenso prazer, ao
galope largo, desatinado.”
Um dos principais argumentos de
quem afirma que o Forum não era verídico — ou seja, que suas histórias era forjadas na própria redação da revista — é o que costumam chamar de “linguagem
pasteurizada”. Entre muitas cartas de leitores indignados com “a desfaçatez com
que são impostas essas ‘cartas de leitor’; evidentemente criadas por imaginativos
escritores”, a maior parte argumenta que “obviamente são escritas pela mesma
pessoa, uma vez que se valem dos mesmos artifícios semânticos”. Ou seja, o que o
indignado leitor queria dizer ao certo é que o Forum não era autêntico porque
usava sempre os mesmos termos, como se fossem recursos estilísticos de um único
autor. Ledo engano, para responder no mesmo estilo.
A verdade é que, uma vez que a
seção se ampliou e se tornou a única desse tipo na grande imprensa brasileira, o
Forum criou, por si mesmo, uma linguagem própria, democrática, pública, um
estilo geral, gradualmente aperfeiçoado por seus muitos leitores-colaboradores.
Na edição n. 114, a seção Forum
finalmente chegou à maturidade, ostentando em sua epígrafe os dizeres: “Esta
seção destina-se à publicação de cartas dos leitores sobre suas experiências
sexuais e fantasias eróticas.” A essa altura, o Forum já era assunto de salão,
mesa e alcova, e mais de uma faculdade de comunicação e psicologia já premiara teses baseadas em seus relatos.
De fato, era uma experiência curiosa manusear tais cartas. Confirmando sua inteira confiança em nossa discrição, os leitores não só enviavam nome e
endereço completos, como também cópias xerografadas de suas carteiras de
identidade, embora isso fosse absolutamente desnecessário. Já os relatos eram entregas totais,
e acreditamos que muitos de nossos correspondente não fossem tão sinceros nem
mesmo com o amigo (ou amiga) mais íntimo.
Muitas das cartas recebidas continham algum recado implícito para alguém. E isso ficava evidente quando, uma vez
recusada, a mesma carta insistia em chegar, mês a mês, até a nossa capitulação
(ou a desistência do leitor). Forum também serviu para aproximar tendências
afins (a fim de tudo) e mais de uma vez leitores, encantados com algum relato,
escreviam pedindo o endereço deste ou daquele autor anônimo. Nossa atitude foi
sempre a mesma: publicávamos a carta, tal qual era enviada, em nossa seção
Cartas, na base do “se colar, colou”. O resultado disso foi que as cartas de
Forum duplicaram em volume, pois, não bastando o relato original, nossos leitores
não se privavam do prazer de contar as experiências sexuais resultantes de
encontros travados por nosso intermédio. E Forum partiu para a metalinguagem —
o que não tem nada a ver com sexo oral.
A partir da linguagem, podemos
traçar toda a trajetória de Forum através dos tempos. A princípio, os relatos
apenas sugeriam o ato sexual, fixando-se mais na situação ou na descrição de ambiente e personagens. Termos como “partes pudendas” eram comuns nessa época.
Gradativamente, no entanto, a linguagem foi se sofisticando, tornando-se mais
ousada e começando a procurar soluções mais originais. E chegou a época das “inhas”. Tudo era “inha”: era grutinha,
xoxotinha, bundinha... os leitores caprichavam nos diminutivos, certamente
procurando amenizar a crueza de seus relatos. Por isso, muita gente começou a
achar que o Forum era escrito pela mesma pessoa.
É bom lembrar que escrever
a respeito de experiências íntimas é tarefa complicada. Descrever sensações, tatos, cheiros... enfim, narrar o sexo de forma literária
é um desafio instigante. Por isso, toda vez que algum leitor conseguia uma
fórmula nova, imediatamente esta fórmula era adotada pelos outros correspondentes. Daí a "linguagem pasteurizada" de que se queixavam nossos críticos
incrédulos.
Em certa época, fomos bombardeados
por dezenas de cartas escritas pela mesma mulher, narrando as suas aventuras na
África, e que invariavelmente citavam as dimensões avantajadas dos membros dos
homens daquele continente. Publicamos uma, duas, três cartas mas a empolgada
leitora parecia ter um repertório inesgotável de trepadas africanas. Black is beautiful, sim, mas chegou um
momento em que começou a encher o saco. Após a sétima carta publicada e a
duodécima recebida, encerramos o safári. Continuou mandando suas aventuras
africanas e tornou-se colaboradora exclusiva; mas
nunca mais foi publicada. Mesmo porque, lá pela décima aventura ela
começou a se repetir, misturando aventuras já narradas com um ou outro elemento
original, mas que não justificava a reprise.
Aliás, falando de missivas
femininas, convém dizer que a grande maioria delas continham relatos muito
parecidos, ao menos em um ponto: seja como e onde for, seja quando for, é
inevitável a presença do corno. E começamos a perceber que o adultério é um dos
elementos mais freqüentes das fantasias femininas.
Já os homens primavam pela
ingenuidade e muitos deles pecavam pelo que convencionamos chamar de sexo
estatístico. Enquanto as mulheres procuravam puxar para o lado do romance, do drama
psicológico, os marmanjos insistiam em falar de pesos e medidas. Por exemplo: em vez de dizer que a noite foi ótima e que transou com uma mulher maravilhosa, eles diziam: “Tenho um pênis de
25cm e dei três sem tirar de dentro logo na primeira transa.”
Ao longo desses anos recebemos de
tudo. Desde pêlos pubianos caprichosamente aparados e enviados junto com as
cartas (“para provar que não estou mentindo”), até relatos eróticos que se poderiam chamar de ótima literatura. E, quando não insistiam em falar no tamanho
descomunal de seu membros, nossos leitores conseguiam criar peças
cheias de humor e picardia, como a premiada Adão,
o Bananeiro, uma das cartas mais sacanas e engraçadas que recebemos.
Ao longo dos tempos, Forum serviu
como tribuna livre de nossos leitores, único espaço para a publicação de suas
fantasias sexuais. Serviu também como intermediário para aventuras e afrodisíaco para casais entediados. Na pior das hipóteses, Forum serviu, ao menos,
para iniciar ótimas cantadas.
Como disse, todas as cartas
publicadas eram verdadeiras, escritas pelos leitores, e nunca precisamos inventar
nada. Nunca precisamos, o que não impediu que, uma vez na vida e outra na
morte, alguns de nós se sentassem à máquina para contar (por mero capricho) algumas de suas
aventuras. Era justo, era honesto. Afinal, também somos humanos e alimentamos nossas próprias fantasias...