quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Humor de gigante



Enquanto Tomé pregava, o gigante trabalhava. E embora Pedra Angular já estivesse pronta — as favelas em torno obstruindo qualquer possibilidade de ampliação racional do parque arquitetônico — ainda assim a criatura continuava a talhar monólitos e a enterrá-los cuidadosamente nas cercanias da cidade.
Em uma de suas raras saídas do templo, em uma visita ao canteiro de obras, Tomé percebeu a novidade e perguntou o porque de tanto trabalho inútil. A criatura deixou de lado a peça que trabalhava — um monólito de pórfiro com mais de dez metros de comprimento — e disse calmamente:
— Eu poderia lhe dar ótimas respostas para esta pergunta. A mais óbvia e verossímil seria a de que estou formando um estoque de boa cantaria para o caso de precisarmos dela no futuro. Outra boa resposta seria a de que faço isso por vício ou compulsão, uma vez que nada mais me diverte neste mundo. E enterrar monólitos, convenhamos, me parece uma atividade tão interessante e produtiva quanto o xadrez ou a literatura.
O gigante enxugou o suor da testa e prosseguiu:
— A verdade, porém, é que faço o que faço para dar o que pensar aos outros. Daqui a muitos milhares de anos, quando ninguém mais se lembrar de que outrora havia gigantes vagando sobre a face da Terra, quando ninguém mais souber o segredo de conversar com as pedras, o que pensarão aqueles que aqui escavarem e derem com tais colossos? Imagine o seu assombro ao tentarem imaginar como e porque estes monólitos foram cortados, movidos e trabalhados. Imagine quantas teorias, quanta discussão, quanto palavrório inútil diante do enigma indecifrável!
Tomé, que não conseguia entender a graça de um trote que levaria milhares de anos para surtir efeito, insistiu em saber o verdadeiro motivo de tudo aquilo.
— Já disse. É um enigma para a posteridade. Um enigma insolúvel simplesmente porque não tem solução lógica. Estou enterrando essas estátuas e monólitos na ordem mais caótica possível, em diferentes profundidades, fazendo uma bagunça tão grande com a terra que duvido que alguém seja capaz de chegar a alguma conclusão a respeito do que realmente aconteceu aqui em nossa época. Para complicar ainda mais, tive o cuidado de decorar a maior parte dessas peças com desenhos e falsos glifos, o que certamente vai dar muita dor de cabeça aos curiosos do futuro.
Tomé limitou-se a abanar a cabeça de lado a outro, confuso.
— Desista — concluiu a criatura em meio a um muxoxo. — Isso é humor de gigante. Por mais que você se esforce, jamais conseguirá entender a graça da coisa.
Do romance São Tomé na América, editora Garamond, 2012.

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