sábado, 14 de maio de 2011

Em pé sem ordem!

Foto Álbum Colégio Andrews

DIZEM QUE ELE ERA O MELHOR professor de matemática da escola mas, quando eu o conheci, lecionava biologia. Fosse qual fosse a matéria, entretanto, suas aulas eram um espetáculo imperdível. 
   Nunca houve e, possivelmente, jamais haverá um professor como ele. E não há como haver. Na era do politicamente correto, o velho Maia certamente acabaria afastado do magistério. Seus métodos de ensino pouco convencionais — embora extremamente eficazes — não teriam lugar nas escolas contemporâneas. Aqueles eram outros tempos, época em que era preciso estudar para passar de ano e o corpo docente era respeitado e admirado pelos alunos.
    Parecia sizudo, rabujento, irascível. Mas bastava abrir a boca e dizer uma barbaridade para logo percebermos que era todo o contrário. Ao entrar na sala de aula, pedia que as meninas mais bonitas da turma se sentassem na primeira fila, para “melhorar a paisagem”.  Em seguida, contava uma ou duas piadas e deixava a garotada conversar durante uns cinco ou dez minutos enquanto acompanhava, sorridente, o tumulto inevitável causado por sua chegada. 
   Em dado momento, porém, no auge da vozearia, quando as coisas pareciam a ponto de sair de controle, dava uma violenta porrada na mesa ou no quadro-negro, gritava “Agooooora!” e todos se calavam imediatamente. Então, começava a aula: “Os protozoários são microrganismos eucariotos, unicelulares...” E ai de quem não estivesse prestando atenção!
    Tinha verdadeiro horror de alunos que se levantavam no meio da aula. Nesses casos, esperava o meliante estar bem longe de sua carteira para somente então decretar o implacável: “Em pé sem ordem!”
    Era a senha. Munidos de canetas, lápis ou qualquer outro objeto pontiagudo que estivesse ao seu alcance, os outros alunos tinham autorização para cutucar os fundilhos do infrator até que este finalmente conseguisse voltar ao seu lugar. Crianças, como sabemos, são criaturas muito cruéis e espetavam para valer. E um “em pé sem ordem” caprichado podia deixar o infrator com dificuldade para se sentar durante dias a fio. É claro que só fazia isso com os moleques, mas corriam boatos de que certa vez fora repreendido pela diretoria por ter decretado um pé sem ordem para uma menina — o que certamente não é verdade. Embora tratasse os rapazes com amistosa truculência, era de um extremado cavalheirismo com as damas. E jamais expulsou uma menina de sala de aula. Em verdade, era difícil o Maia expulsar um aluno de sala, não importando o sexo do delinqüente, tendo sido eu um dos poucos contemplados. Mas, fazer o quê? eu era uma peste naqueles tempos.
   Sempre que um aluno vinha reclamar da nota recebida na última prova ele recomendava: “Diz Maia...” para depois emendar, “...desmaia que eu vou pensar no seu caso.” Já se fosse uma menina bonitinha, variava: “...desmaia no meu colo que eu revejo a sua nota.” 
   Botafoguense doente, implicava com alunos que torcessem para outros times: “Tudo menos Fla Flu!” escrevia no quadro, furibundo, sempre que seu time era eliminado do campeonato estadual.
    Quando era escalado para tomar conta de alguma turma durante uma prova de outra matéria que não a sua, levava um exemplar do Jornal dos Esportes e mergulhava na leitura até tocar a sineta. Se os alunos fossem discretos, podiam colar à vontade. Mas se a coisa passasse dos limites mandava os delinquentes terem uma conversinha com o diretor, o Prof. Jorge. Todos pensávamos que ele estava alheio ao que acontecia na sala mas todo jornal que o professor Maia levava para as provas tinha um furinho estratégico na dobra através do qual vigiava a turma.    
   Em provas de sua matéria, porém, era bem mais rigoroso. Mas dava algumas chances para os alunos. “Quinta-feira tem prova. Quem trouxer binóculo vai se dar bem”.  É claro que ninguém trazia. No dia combinado, ele colava no quadro-negro um papelucho minúsculo contendo o gabarito da prova. “Eu avisei...” Na prova seguinte, recomendava que trouxéssemos varas de pesca. Ninguém trazia e então, no melhor estilo de quermesse junina, colocava uma série de envelopes no aparador de giz do quadro negro, cada um contendo uma das respostas.
    Apesar de todas as brincadeiras, era um professor muito rigoroso. Mas sabia que as matérias que lecionava eram extremamente indigestas para jovens pré-adolescentes com os hormônios à flor da pele. Por isso, sempre que possível, temperava as aulas com seu histriônico senso de humor. Aprendíamos brincando. E brincávamos aprendendo. 
   “Sei que, daqui a alguns anos, vocês não se lembrarão de quase nada do que lhes ensinei.” dizia ele “Mas alguma coisa sempre fica. E, se isso acontecer, já me darei por satisfeito.”
    Seja lá onde estiver, meu bom e velho Prof. Carlos Shankrow Maia, tenha certeza de que, de minha parte, seus ensinamentos, assim como a memória de sua extraordinária personalidade, jamais serão esquecidos.

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