ELE ESTAVA EM UM AVIÃO porque, naquele sonho, viajava muito. Desde que se entendia por gente sonhava que era aquele homem velhusco, alquebrado, cuja vida de vendedor autônomo se resumia a atravessar o país vendendo implementos agrícolas para comércios provincianos. Era, de longe, o seu sonho mais aborrecido.
Não tinha, porém, controle sobre os próprios sonhos e, portanto, via-se agora ali, outra vez a bordo de um avião de carreira, em uma longa e enfadonha viagem através do país. Uma hora após o tumulto da distribuição do jantar, o vôo transcorria tranqüilo e ouvia-se apenas o rumor abafado das turbinas lá fora e, vez por outra, o ruído do trinco da porta do banheiro já que a maioria dos passageiros estava profundamente adormecida. Pairava no ar um fedor que misturava aromatizador de ambientes, desinfetante de privada, comida azeda, café requentado, suor e peido de gente há muito confinada.
Desanimado, desligou a luz de leitura, fechou a mesinha de apoio e esticou um olhar através do corredor. Algumas fileiras mais adiante, uma senhora lia uma revista de moda e, a cada página virada, erguia no ar uma lufada de perfume barato que, misturada ao tradicional buquê aromático servido graciosamente pelas empresas aéreas em longos vôos sem escala espalhava-se por toda a cabina em um fedor nauseabundo de lixo hospitalar sabor lavanda.
O sujeito ao lado começou a roncar alto e a se esparramar sobre o assento. Aborrecido, ele se encolheu para evitar contato físico e voltou a vasculhar a cabina, na esperança de encontrar alguma poltrona vaga. Sem chance. O vôo estava completamente lotado.
Ele emitiu um suspiro frustrado, levou a mão ao maço de cigarros e pensou em ignorar o aviso de NÃO FUME. Mas se conteve. Em vez disso, procurou o pente no bolso da calça, penteou o topete, voltou a guardar o pente, dessa vez no bolso interno do colete, e estava a ponto de voltar a ligar a luz de leitura e procurar a revista de bordo quando, inesperadamente, o avião pareceu perder toda a sustentação aerodinâmica — ou seja lá como se chama essa coisa que faz os aviões continuarem voando — e passou a cair a prumo, em uma queda vertiginosa e inexorável rumo ao solo.
Desanimado, desligou a luz de leitura, fechou a mesinha de apoio e esticou um olhar através do corredor. Algumas fileiras mais adiante, uma senhora lia uma revista de moda e, a cada página virada, erguia no ar uma lufada de perfume barato que, misturada ao tradicional buquê aromático servido graciosamente pelas empresas aéreas em longos vôos sem escala espalhava-se por toda a cabina em um fedor nauseabundo de lixo hospitalar sabor lavanda.
O sujeito ao lado começou a roncar alto e a se esparramar sobre o assento. Aborrecido, ele se encolheu para evitar contato físico e voltou a vasculhar a cabina, na esperança de encontrar alguma poltrona vaga. Sem chance. O vôo estava completamente lotado.
Ele emitiu um suspiro frustrado, levou a mão ao maço de cigarros e pensou em ignorar o aviso de NÃO FUME. Mas se conteve. Em vez disso, procurou o pente no bolso da calça, penteou o topete, voltou a guardar o pente, dessa vez no bolso interno do colete, e estava a ponto de voltar a ligar a luz de leitura e procurar a revista de bordo quando, inesperadamente, o avião pareceu perder toda a sustentação aerodinâmica — ou seja lá como se chama essa coisa que faz os aviões continuarem voando — e passou a cair a prumo, em uma queda vertiginosa e inexorável rumo ao solo.
Ele se agarrou nos braços da poltrona, deu graças por estar com o cinto atado, e observou, atônito, a comissária ser arremessada em altíssima velocidade em direção à traseira da aeronave, seguida por um certamente mortal carrinho de bebidas e uma infinidade de bolsas e outros objetos que se soltaram dos bagageiros. Nesse momento, as máscaras de oxigênio foram liberadas, o que aumentou ainda mais o caos dentro do aparelho.
Com dificuldade, ele afastou a cabeça para o lado para voltar a olhar para o corredor e viu, lá embaixo, bem lá embaixo, a porta da cabina dos pilotos escancarada e a silhueta de braços movendo-se sobre um painel repleto de luzes vermelhas que piscavam, desesperadas.
Uma fração de segundo depois, sentiu-se leve, quase imponderável e observou diversos objetos — lápis, bolsas, pedaços de papel e sacos de vômito — flutuando pela cabina, momentaneamente desprovidos de gravidade. Algumas pessoas berravam, mas a maioria estava apavorada demais para conseguir emitir algum som.
Com dificuldade, ele afastou a cabeça para o lado para voltar a olhar para o corredor e viu, lá embaixo, bem lá embaixo, a porta da cabina dos pilotos escancarada e a silhueta de braços movendo-se sobre um painel repleto de luzes vermelhas que piscavam, desesperadas.
Uma fração de segundo depois, sentiu-se leve, quase imponderável e observou diversos objetos — lápis, bolsas, pedaços de papel e sacos de vômito — flutuando pela cabina, momentaneamente desprovidos de gravidade. Algumas pessoas berravam, mas a maioria estava apavorada demais para conseguir emitir algum som.
“Então é assim”, pensou. “É assim que se morre em um desastre de avião. A gente sempre acha que essas coisas só acontecem com os outros mas, no entanto...”
A seguir, ouviu um ruído pavoroso de metal rasgado e sentiu um violento impacto de ar frio, sólido como granito, seguido do silêncio gelado que antecede a morte em queda livre a trinta e cinco mil pés de altitude.
O menino despertou com um grito abafado na garganta. Estava muito suado e a roupa de cama se acumulava no chão do quarto, como se ele tivesse esperneado durante o sono. Ele se recostou à cabeceira, tirou a camisa do pijama e esfregou os olhos, como se para afastar os últimos vestígios do pesadelo.
Ao se levantar, pisou inadvertidamente sobre o carrinho de Autorama, tropeçou na perna da mesa de futebol de botão, e acabou caindo sobre o Forte Apache que ganhara no Natal anterior. Emitiu um palavrão em surdina, levantou-se com alguma dificuldade e correu até a sala. Mas decepcionou-se ao perceber que os pais ainda não estavam acordados.
O relógio de parede marcava 6h25, era sábado, de modo que teria de esperar cerca de quatro horas até poder contar o sufoco que passara naquele avião condenado. Sem ter o que fazer, caminhou a esmo pela casa, folheou uma revista Realidade deixada sobre o sofá da sala e bebeu o restinho de bebida que encontrou no fundo de um copo que os pais haviam esquecido sobre a cômoda na noite anterior. O gosto era horrível e a náusea que sentiu o fez voltar a se lembrar do pesadelo.
Na cozinha, pegou um prato fundo no escorredor da pia, serviu-se de uma generosa porção de sucrilhos que regou com uma xícara de leite criteriosamente medida. Depois, pegou o prato, uma colher, e foi se sentar diante da televisão, que ligara em volume mínimo para não acordar os pais. Já não tinha mais vontade de contar o sonho para ninguém, não só porque já havia se esquecido de muitos dos detalhes mais emocionantes como também porque, afinal de contas, ele tinha certeza de que jamais voltaria a se encontrar com aquele pobre caixeiro viajante cuja vida medíocre e aborrecida o vinha atormentando havia já alguns anos.
A seguir, ouviu um ruído pavoroso de metal rasgado e sentiu um violento impacto de ar frio, sólido como granito, seguido do silêncio gelado que antecede a morte em queda livre a trinta e cinco mil pés de altitude.
O menino despertou com um grito abafado na garganta. Estava muito suado e a roupa de cama se acumulava no chão do quarto, como se ele tivesse esperneado durante o sono. Ele se recostou à cabeceira, tirou a camisa do pijama e esfregou os olhos, como se para afastar os últimos vestígios do pesadelo.
Ao se levantar, pisou inadvertidamente sobre o carrinho de Autorama, tropeçou na perna da mesa de futebol de botão, e acabou caindo sobre o Forte Apache que ganhara no Natal anterior. Emitiu um palavrão em surdina, levantou-se com alguma dificuldade e correu até a sala. Mas decepcionou-se ao perceber que os pais ainda não estavam acordados.
O relógio de parede marcava 6h25, era sábado, de modo que teria de esperar cerca de quatro horas até poder contar o sufoco que passara naquele avião condenado. Sem ter o que fazer, caminhou a esmo pela casa, folheou uma revista Realidade deixada sobre o sofá da sala e bebeu o restinho de bebida que encontrou no fundo de um copo que os pais haviam esquecido sobre a cômoda na noite anterior. O gosto era horrível e a náusea que sentiu o fez voltar a se lembrar do pesadelo.
Na cozinha, pegou um prato fundo no escorredor da pia, serviu-se de uma generosa porção de sucrilhos que regou com uma xícara de leite criteriosamente medida. Depois, pegou o prato, uma colher, e foi se sentar diante da televisão, que ligara em volume mínimo para não acordar os pais. Já não tinha mais vontade de contar o sonho para ninguém, não só porque já havia se esquecido de muitos dos detalhes mais emocionantes como também porque, afinal de contas, ele tinha certeza de que jamais voltaria a se encontrar com aquele pobre caixeiro viajante cuja vida medíocre e aborrecida o vinha atormentando havia já alguns anos.
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