MARL DEBIENE SERVIU-SE DE de mais uma dose de licor e foi até a sala de vídeo onde reviu atentamente os acontecimentos de seu último show. As cenas eram terríveis. Atacada por todos os lados, a multidão em pânico se aglomerava em uma massa compacta ao centro da planície, enquanto o maior e mais variado enxame de moscas paradimensionais já registrado em toda a história daquele sistema rodopiava ao seu redor em um torvelinho mortal. Moscas-projéteis, moscas-explosivas, moscas-incendiárias. Moscas-serrote, moscas-martelo, moscas-verruma. Moscas-agulha, moscas-navalha, moscas-canivete. E a multidão de espectadores pouco a pouco despedaçada pela nuvem implacável, como um bloco de gelo sendo escavado por um maçarico. Ao fim de tudo, foi difícil encontrar naquela montanha de corpos estraçalhados um membro inteiro, um dedo não amputado, um fragmento de rosto que ainda vagamente lembrasse o de um ser humano.
Ela deteve a imagem com um gesto do indicador e voltou a ação até o momento inicial do ataque. Repetiu a cena diversas vezes, focando neste ou naquele detalhe. Nada revelador. Nenhuma pista. Por que tantas? Por que tão variadas? As moscas eram criaturas especializadas e raramente atacavam em enxames mistos. Alguma coisa as atraíra involuntariamente até ali.
Marl Debiene voltou novamente para o início da gravação e dessa vez deixou-a correr sem interrupções, com som. Observou atentamente cada pequeno detalhe do espetáculo até o momento exato do ataque. Nada ainda.
Foi quando ouviu um baque surdo, repetitivo, como se houvesse alguém batendo à janela da sala de vídeo para chamar-lhe a atenção. Indignada, foi até a janela e já estava a ponto de desancar o segurança atrevido que ousava importuná-la em seus aposentos particulares quando deu com uma mosca-prego chocando-se repetidas vezes contra a vidraça.
Interessante.
Movida por pura intuição, ela desligou o som dos reverberadores e imediatamente a mosca sumiu de vista.
Muito interessante.
Ela passou o resto da tarde brincando de bobo com a mosca-prego, que ia e voltava à sua janela sempre que ela repetia aquele mesmo trecho da canção “Virgem devassa”, a mesma que tocava quando seu show se transformara em um terrível massacre.
Quando escureceu, pediu que um jardineiro capturasse a criatura dentro de uma gaiola de fibra de titânio e a levasse imediatamente até o seu laboratório de pesquisas. Ou ela muito se enganava, ou sua missão naquele sistema estava chegando ao fim.
Da série Crônicas do espaço profundo
Nenhum comentário:
Postar um comentário