TENHO UMA FAXINEIRA QUE deveria ser tombada pelo Patrimônio Histórico Nacional. Chama-se Gerusa, é capixaba, 30 e poucos anos de idade, preta como um tiziu, feia como um cruz-credo mas que, em contrapartida, é um verdadeiro manancial de cultura popular. Ontem mesmo, após a faxina, tivemos o seguinte diálogo:
– Quanto lhe devo, Gerusa?
– O de sempre, seu Carlos: quarenta real.
– Reais, né Gerusa, reais.
– Qualé, seu Carlos... Só gasto o meu plural de cem reais pra cima.
– Como assim?
– Isso mesmo – respondeu. E arrematou, muito didática: – veja o senhor: o conserto da caixa d’água lá de casa foi dez real, a conta do aluguel foi oitenta real, mas o prejuízo do dentista, seu Carlos, esse sim foi uma mordida de cento e vinte e cinco reais.
– Compreendo agora.
– Aliás, seu Carlos, queria lhe perguntar um negócio meio chato...
– Fala Gerusa.
– Como é que pode o senhor, homem-jornalista, estudado, errar tanto quando fala?
– ?
– É. Ontem mesmo eu ouvi o senhor cometer dois erros muito feios quando falava no telefone. O senhor disse: “Quando eu saltei do ônibus vi que tinha ainda menos chances de chegar a tempo”.
– E daí, Gerusa? Cadê os erros?
– Me admiro o senhor, seu Carlos... veja só: ninguém “salta” do ônibus.
Gerusa deu um pulinho de bailarina troncha no meio da sala, para ilustrar o absurdo da frase. E completou:
– A gente solta do ônibus...
E fez um gesto de quem larga um estribo.
– Tá bom, Gerusa. E o outro erro?
– Ora, seu Carlos! Chance não é feminino? Então! O senhor tinha menas chances de chegar a tempo, concorda?
Assenti com um gesto.
– Outra que eu peguei: o senhor disse que tinha um sujeito “mendigando” aqui na rua. Que feio, seu Carlos! Se o sujeito é um mindingo ele só pode mindingar, concorda?
– É, você até que tem a sua razão...
Gerusa sorriu, vitoriosa. E voltou à carga:
– Não fica por aí não! Todo dia o senhor dá um fora desses. Ontem foi o tal do registro de luz.
– Não captei, Gerusa. Qual o problema com o meu “registro de luz”?
– É rezistro, seu Carlos! Re-zis-tro, entendeu agora?
Fiz que ia protestar mas ela me atropelou:
– Pouco depois o senhor me saiu com o tal do “sanduíche de mortadela na baguete.” Putz! Todo mundo sabe que o certo é “sanduíche de mortandela na barguete”, estou errada?
Sorri, mas não retruquei.
– O senhor também adora dizer que seu irmão é músico e que toca saxofone soprano. Ora, seu Carlos! Só dá pra tocar saxofone é soprano mesmo, né? Queria que ele tocasse como, peidano?
Não me contive e estourei:
– Ora, você... Gerusa, você é muito burra! Muito burra e muito feia!
Ela sorriu, maliciosa. E respondeu:
– Mas é craro, seu Carlos! O senhor acha que se eu fosse bonita e inteligente ia estar aqui trabalhando prum sujeito inguinorante feito o senhor?
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