quarta-feira, 18 de maio de 2011

Alter-ego


O MENSAGEIRO NÃO TEVE dificuldade para projetar e moldar o corpo de seu alter-ego cibernético. A nave era dotada de sofisticadas instalações de bioengenharia capazes de imprimir andróides orgânicos de qualquer espécie, desde que seus computadores fossem devidamente alimentados com algum código genético minimamente consistente. Se quisesse, o Mensageiro poderia criar um dragão com focinho de porco, um trilobite gigante com cauda de pavão-real, um peixe-voador com asas de beija-flor, um rinoceronte com bico de pato, um guaxinim cor de abóbora com rabo de castor...
   Ou uma mulher extraordinária como Marl Debiene, o que foi o caso.
   Àquela altura, o Mensageiro já conhecia a fundo os padrões de beleza de seus excêntricos anfitriões e criou-lhes uma mulher ideal, proporcionalmente perfeita de acordo com seus canones estéticos, encantadoramente sedutora, uma deusa pagã de beleza demoníaca capaz de arrebatar suspiros apaixonados de qualquer criatura, não importando sua espécie, idade ou gênero. Uma mulher cuja simples presença em uma sala fosse capaz de gerar entre os convidados energia bastante para manter as luzes acesas e a alta taxa de hormônios e adrenalina pairando no ar ambiente. Essa parte era fácil. Ele contava com a tecnologia e todos os dados necesários para alimentar o programa.
   O mais difícil viria a seguir. Seria preciso traçar uma estratégia de marketing infalível e extremamente bem coordenada. Literatura, música popular e erudita, cinema, física quântica... tudo deveria ser liberado ao seu tempo de modo a transformar Marl Debiene na criatura mais importante, mais amada, mais respeitada e, principalmente, mais vista do Universo conhecido.

   O Mensageiro não precisava mais da nave que, afora ser um trambolho inútil àquela altura dos acontecimentos, deixara de ser um esconderijo seguro e acabaria sendo descoberta e sucateada pelos inspetores da RSI. O cérebro cibernético da andróide era capaz de armazenar toda informação relevante que o Mensageiro conseguira resumir dos arquivos da nave.
   Era preciso deixar Hamarquis o quanto antes e rumar para Pi, o centro cultural, econômico e administrativo de Tolecalon. E ali, quando todos os holofotes estivessem voltados em sua direção, quanto todos os planetas daquele sistema esperassem ansiosamente pela sua palavra, a sua benção, finalmente cumprir a missão para a qual fora projetado e na qual vinha trabalhando ao longo de tantos milhões de anos.

Da série Crônicas do espaço profundo

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