terça-feira, 17 de maio de 2011

A mensagem


O MENSAGEIRO — OU SEJA, A IMENSA nave de metal resplandecente no interior da qual viajava uma máquina dotada de inteligência sobre-humana chamada “Mensageiro” — pousou suavemente em um depósito de lixo nos arredores de Gabrispule, maior pólo petroquímico de Hamarquis, um dos vinte e sete corpos planetários em órbita do sistema binário de Tolecalon.
   O lugar da aterrissagem vinha bem a calhar. Ao seu redor, espalhavam-se milhares de hectares de terra estéril e desolada, coalhada de contêineres de rejeitos tóxicos e radiativos, esconderijo perfeito para alguém que quisesse passar despercebido durante algum tempo.
   Afinal, antes de anunciar-se aos novos anfitriões, era preciso conhecer a sua cultura, seus modos de ser e agir, seu idioma, costumes e legislações. Caso optasse por uma entrada triunfal, possivelmente encontraria dificuldades para fazer tudo como desejado.
   Antes de mais nada, era preciso recarregar as baterias principais, havia muito exauridas. Sem elas, estaria incapacitado de dar continuidade ao programa. Em verdade, a energia que conseguia captar com as suas baterias solares mal era suficiente para que se mantivesse operacional. Por sorte, o lugar onde aterrissara era cruzado por uma vigorosa rede de transmissão de energia. Ainda assim, ele quase não teve força suficiente de estender um braço mecânico e se conectar à fonte salvadora. Durante a manobra, chegou a ter uma pane total e perder a consciência. E só conseguiu recobrá-la alguns segundos mais tarde porque algo dentro dele achava um absurdo viajar centenas de bilhões de quilômetros para morrer a uns míseros centímetros da tomada.

   Após recarregar as baterias, o Mensageiro pôde finalmente acionar os robôs de bordo, que consertaram os danos sofridos durante a travessia e substituíram diversas peças do equipamento, inclusive a antena de transmissão, instrumento fundamental para que pudesse dar continuidade ao seu trabalho.
   De posse da nova antena, o Mensageiro ouviu atentamente as transmissões dos satélites de comunicação daquele planeta alienígena, usando a inteligência sobre-humana da qual era dotado para decodificar os sinais e decifrar os muitos idiomas ali falados. O trabalho foi grande mas logo ele já era capaz de identificar palavras em duzentos e trinta e sete idiomas diferentes, um feito espetacular mesmo para uma máquina poderosa como ele.
   Saber o significado das palavras, porém, não o autorizava a ter acesso ao exato conteúdo das mensagens. Tudo o que conseguia depreender daquelas transmissões eram frases e idéias esparsas, que aparentemente não faziam sentido quando encadeadas.
   Em verdade, desde que chegara àquele planeta, e não obstante os evidentes sinais de vida inteligente espalhados por toda parte, não conseguira encontrar inteligência em parte alguma. Tudo parecia-lhe extremamente caótico, desordenado, desprovido de significado prático. Os nativos, seus costumes, seus meios de transporte e comunicação, seus instrumentos científicos e de uso cotidiano... nada parecia fazer sentido, nada se encaixava com nada.
   O Mensageiro era uma máquina obstinada, metódica, programada para esgotar todas as possibilidades antes de tentar outra abordagem para o problema. Era, porém, uma máquina muito inteligente. E justamente por ser tão inteligente, também era capaz de intuir o momento de interromper uma rotina comprovadamente inútil e tentar alguma outra coisa.
   Ele conhecia os riscos aos quais estaria se expondo. Sabia que uma abordagem errada poderia deflagrar reações absolutamente imprevisíveis de seus anfitriões. Mas alguma coisa lhe dizia que poderia passar o resto da vida estudando aquelas criaturas sem realmente entender quem eram ou por que faziam o que faziam.
   À primeira vista a idéia podia parecer temerária mas, considerados os fatos, tinha lá a sua lógica. Sem dúvida, havia a possibilidade de os alienígenas conseguirem entendê-lo antes dele conseguir entender os alienígenas. Abrir a investigação em duas frentes era uma alternativa a ser considerada.
   O Mensageiro insistiu ainda algum tempo no método antigo mas acabou convencendo-se de que não lhe restava escolha senão entregar a mensagem.
   Por não saber exatamente a quem destiná-la, lançou-a na rede como carta aberta, sob a forma de um único arquivo auto-executável com mais de cem bilhões de exabytes de informação compactada.
   Em seguida, suspirou profundamente e entrou em estado de animação suspensa, disposto a ficar assim até os alienígenas fazerem contato. 

Da série Crônicas do espaço profundo

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